É de longe o maior sonho de todo jovem pobre da periferia,
se emancipar, não obedecer às ordens, acordar diante de olhos negros. É um
sonho sem fim, rodeios de amigos, as cervejas na mesa e o futebol indiscreto. Alcançar
esse Estado de Poesia, essa vivência plena.
Eu alcancei e hoje, chorei por falta da minha mãe. Falta de
falar tênue e firme, dos seus olhos facilmente vendáveis e de seu tempero quase
que pronto. Chorei por minha cama de solteiro, meu armário semi-inteiro e os
telefonas de desespero. Meu pranto veio pela minha vó dos cabelos de neve e a
pele negra, mulher de uma firmeza sem fim. Chorei por não ouvir os cachorros
latirem e não pegar duas horas de trânsito.
Nem consigo escrever isso sem essa incerteza profunda me tomar. Eu não sou
feito de ferro e nem de pano. Sou um homem comum nessa solidão medrosa. Alguém
que foi e que não sabe o que é voltar...
Um conselho eu te dou, daquele que se perdeu, gaste sua paz
em fogo alto. Ela, em breve, vai desaparecer. Vai se tornar um medo sem fim,
uma falta de sono e uma dor tão lancinante gerada pelo acaso. Vai se tornar
mato queimado e não terá cigarro que há de curar. Esse é nosso destino, se
vender por um sonho ameno que se torna pesadelo. Um tanto lutar que ninguém
entende, você é um cartão de débito até a esquina cruzar. Ninguém há de te
entender e de ser seu amigo, ninguém eu te digo, você está abandonado e
sozinho. E isso vão chamar de esperança, um carro em 60x e a tenacidade em
morrer o mais breve o possível...