30.5.11

Novo Conto Parte 1

Conto sobre Almovadar
Capitulo Primeiro
O apagar das luzes

O domingo nascia corrente em Soleil, a cidade resplandecia a partir de suas amuradas de marfim que se fiavam em favor da larga praia a frente. A costa da urbe tomada das mais variadas naus, pequenas pesqueiras se afunilavam pelo estreito de passagem para a baia do Sol. As naves de guerra estavam ancoradas nas margens do poderoso Forte Contero, mais de vinte delas, de variados calados.
O bairro do morro era o primeiro de fronte a barra e o mais populoso, circulavam por ali os homens do trigo, do charque e do mar, carregando suas inúmeras sacas e caixotes nos lombos dos bois e cavalos, alguns montavam jumentos e despachavam cargas de algodão e tecidos diversos, outros vinham com as especiarias distantes descarregadas dos navios mercantes do Império que os regia. Uma troca injusta á vista dos lucros que os homens maiores tinham nesse negocio. Exatamente isso, por peças de carne salgadas e orégano, que se derramaria sangue humano por aquelas bandas.
O charque colonial sofria da taxa de ¼ de seu valor para adentrar nas casas dos imperiais, enquanto as carnes das nações estrangeiras nem sofriam imposto. Ao trigo se adicionava metade do valor e aos tecidos o dobro. Desta forma, em dez anos, a economia da colônia mais bem sucedida do Império ruía de fome. Enquanto as águas de Farador, a colônia que se rebelara anos antes, rugia de cargueiros de todas as partes do mundo.
As altas casas de Soleil, outrora brancas das tintas caras e fixadas sobre madeiras de leis caríssimas; de ruas tomadas de pedras preciosas, os mercados ricos em produtos do Império. Agonizava a miséria naquela terra, e os mendigos espalhados pelos cantos, às portas em pedaços, os moços devaneando nas praças. As grandes estâncias iam dissolvendo-se, a produção sofrera uma larga queda levando consigo o emprego de milhares de homens camponeses.
Para tentar acertar essa situação que, ali naquela cidade, reuniam-se os coronéis de Kerbara, a maior província da colônia. Senhores da guerra e do charque, os mais ricos de terra e dinheiro. Mas que agora beiravam a falência de sua fortuna pelos altos pagos que o Imperador lhes cobrava.
-Senhores; hoje recebi a carta Imperial com os novos ditames para esta terra. Nosso amado Imperador proclamou a dissolução da milícia provincial e que estes dez mil homens enviados para Almovadar serão divididos em três partes, vindo três mil tropas para estas bandas a qual tomarão o lugar de nossos soldados. Foi nos dada à ordem de dissolvemos três regimentos de cavalaria provinciana e com seus soldos, pagarmos os soldados do Império. Nossas armas devem ser entregues na fortaleza de Keremir, as margens do Rio Pardo. Deverão ser abandonadas as peças de artilharia, as munições de boca e arma, as fardas de inverno, os cavalos e os rifles de nossos soldados. Aos oficiais será dada uma recompensa de vinte réis e uma medalha de honra de bronze pelo serviço prestado. Foi nos outorgada a lei da demanda novamente, a qual cada estância deverá enviar 2% de sua produção as tropas do Imperador, com no mínimo duas sacas de trigo. As fazendas de charque enviarão esse peso em carne ou cabeças de gado, a cada seis meses.
Os impostos comerciais serão mantidos e as produções deverão passar pela inspeção da capitânia portuária, e somente para este porto se deve dirigir a produção de Kerbara.
Assim falou diretamente conosco, o Vice-rei Eldon em carta assinada e carimbada pelo Imperador.

Rapidamente o falatório tomara conta da câmara provinciana de Kerbara. Sentados à volta do pleito estavam os comerciantes, militares e fazendeiros mais influentes. Todos os deputados provinciais, todos indignados e feridos pela nova lei imposta. Até que, em meio aos berros, um homem dirigiu-se ao púlpito. Seu nome era dito em histórias que se contavam as crianças e aos moços, pela sua bravura, sua riqueza e suas artimanhas nas guerras contra os mouros e os morenos. Seu nome era Malcon Oxford. O único homem dentre aqueles que gozava da patente de Brigadeiro, o terceiro comandante mais graduado de toda a colônia. Atrás apenas de um General que comandava todo o Exército Provincial e do próprio vice-rei que gozava de ser chamado Marechal-de-campo.
Ainda forte e esguio aos cinquenta anos. Serviu desde garoto dentre as tropas Imperiais, era Faradoriano de nascença. Alcançara o prestigio militar através da inteligência e estratégia pouco encontradas para a época, além das graças de ter nascido de família influente. Os cabelos longos e cacheados debruçavam sobre um dorso de cavalo, os olhos negros e afundados, os dentes amarelados dos charutos e a barba feita. A farda alinhada e aberta, mostrando o camisão branco de linho. As botas cintilavam novas e engraxadas. Sabre á cinta, pistolas também. O tricórnio negro á mão em sinal de respeito. Malcom era dono duma gigantesca propriedade próxima à cidade a qual se plantava trigo e criava-se gado para venda, para carnes convencionais e para o charqueado. Rico, senhor de três filhos bem encaminhados e de mil homens de cavalaria, mui temidos pelos inimigos do reino. Seus negócios estendiam-se a uma fundição pomposa na cidade e ao controle duma pequena esquadra de barcos pequenos e veleiros que carregavam as mercadorias pelo Grande Rio até a capital e as ilhas próximas do continente. Sua vida politica fora sempre modesta, não tomando o posto de Deputado-mor quando oferecido, ficara como conselheiro da câmara, cargo a qual era dono há vinte anos.
A grossa voz passava uma educação refinada e aquele toque de comandante de campo:
-Meus patrícios. É em nome do Deus santo que venho vos falar. O que soa em vossos corações ao ouvir essas palavras? –Um brado de “vergonha” foi dado á direita do homem. –Irmãos meus, é unanimidade essa palavra dentre nós. Toda essa assembleia emprega milhares de homens do campo, enriquece-os, os dá dignidade, emprego para sustentar as crianças e famílias da gente que representamos. Do meio de vida que temos, dos nossos ditames, nossos costumes, nossa cultura de campo, de fartura, de festa desta terra tão bela em que escolhemos para viver. Seja por nossa vontade, como ao meu caso, ou pela vontade do Pai Criador. Nosso esforço imenso para defender às fronteiras, para combater as guerras externas do Império, que governa e nem paga nossos soldados. E com o que temos sido recompensados pelas vidas que perdemos e pela riqueza que amontoamos nas salas de prata e ouro dum Imperador confuso? Nosso salário é o ultraje de cartas como essas, de ditames outorgados à força e sem consenso, duma minoria que nos governa às léguas desta terra.
Agora nos vem mandar retirar nossos soldados da linha, três mil pais de família para que assumamos do nosso bolso, cada dia mais vazio, os caros soldos das tropas que para cá se dirigem. Que entreguemos os canhões e as espadas centenárias dos homens que morreram ao meu e ao vosso lado nas lutas contra os morenos; lutas que travamos sozinhos e sem apoio, pelo amor que temos a nossa terra pátria. Eu vos digo em nome do Pai Criador e do sangue dos bravos homens que se foram ao defender minha vida; soldado de um tirano seja qual for, que marcharem diante das portas de minha casa, serão recebidos com tiros. Eu os darei o soldo da morte pela honra daqueles que se foram. Pela honra dos trabalhadores que tenho em minhas terras, das pessoas destas e de todas as cidades de Kerbara. Esse não será o meu pagamento por trinta anos intermináveis de campos de batalha e ferimentos por um Imperador que assumiu há dez anos e nada se parece com seu bondoso pai.
Se a vossa vontade for o consentimento com tais ordens, assim o farão sem mim. Recolherei meus cavaleiros da cidade e viverei em minha fazenda, abandonando a farda e a vida politica. Pois não posso, como súdito deste Império aderir a tal artimanha fascista. Passarei a palavra.
Desta forma Malcon sentou novamente e todos os olharam profundamente. Um coronel tomou a dita cuja e partiu a defesa do Império, contrapondo o Brigadeiro e acusando de determinadas atitudes contra a lei serem consideradas traição.
A voz da assembleia o calou rapidamente. Outros quatro comandantes subiram ao palco e apoiaram Oxford, incluindo os conselheiros mais velhos. O deputado-mor calado ouvia tudo. Após duas horas de discussão intensa entre os partidários do Imperador e os estancieiros elevados, o homem tomou a palavra.
-Senhores. Como presidente desta assembleia, sou obrigado, transpassando minhas vontades pessoais de propor uma votação. Serão dois tratos com esta lei. Como fora uma ordem imposta, nossa constituição nos permite vetá-la temporariamente e adiantar o caso ao Vice-rei que é a maior autoridade desta jurisdição. Se assim o fizermos, encaminharei pessoalmente a carta de pedidos da gente de Kerbara para o dito. Se não vetarmos as ordens, três coronéis perderão sua patente e seus soldados. Como fixado na nova lei, os Imperiais devem chegar à fortaleza em quinze dias completos.
Façamos nossas escolhas em votos individuais. Como prescrito, somos hoje vinte e quatro comissários com direito de voto, mais do que necessário para sancionarmos algo. E assim será feito.

Para fins de compreensão, o deputado-mor era o prefeito de Soleil, o homem mais rico do lugar, senhor de vinhas, charqueados, trigais e negócios de toda sorte, contudo, sua patente no Exército Provincial era de Major, pois, não servira em várias guerras. Chamava-se Florêncio, era ruivo e beirava os quarenta anos. Sua atitude politica era extremamente burguesa, apoiando as ordens comerciantes e os senhores estancieiros no controle da força local, donde ficavam sob o controle da burguesia das cidades.
A grossa camada de homens do campo e seus ricos comandantes necessitava dos homens de serviços da cidade, dos donos dos estaleiros e docas. Era uma realidade a qual os dois setores eram interdependentes e quando a balança do imposto os fez empobrecer, a reciproca foi verdadeira.
A votação durara meia hora, e como de costume, as discussões prosseguiram até o entardecer quando Florêncio os trouxe o resultado. Vinte votos á favor da revogação e quatro contra. Os partidários do Imperador se exaltaram e assim foram embora da assembleia, dentre eles estava o único militar daquela gente. Coronel Juvêncio, senhor de cavalos e quinhentos infantes que comandava e recrutava pessoalmente entre as gentes sob sua tutela. Juvêncio era da idade de Oxford, e o servira em muitas lutas. Sua característica principal era a ranhura para o comércio. Em sua denodada mente, estava a certeza de que lucraria muito com os cortes dos estancieiros de grãos. Pois, sem a possibilidade de levar as riquezas a Selladon, a capital. Grande parte do serviço de embarcar as sacas e armazená-las ficaria dentre suas empresas que dominavam a região. Os outros três deputados eram: o grão-mestre da Ordem dos Cavaleiros do Imperador, instituição civil de veteranos de guerra e pequenos comerciantes e seus seguidores. Anos mais tarde descobrira-se que tal Ordem fora comprada dos Castelhanos com ouro e prata todo ano para que atrapalhassem nas politicas de guerra dos Almovadarianos e os informassem. Então, logo se acorreu a noticia da sublevação que germinava dentre os Kerbarianos.
Quando foram os brados de traidores e vendidos, os que ficaram na casa se colocaram a redigir a carta de necessidades, tal qual, faço a vontade de vos transcrever os devotos mais atenuantes.
Foi solicitado que se baixassem os impostos e que os soldados do Império ficassem no Norte donde seriam necessários para proteger a fronteira dos Castelhanos e que as tropas permanecessem lá. Que os regimentos locais fossem mantidos pela necessidade de emprego e de controle da Câmara sob os tais. Se fosse possível, que o Império enviasse parte do soldo para os tais, além de novos canhões ou incentivos financeiros para que fossem produzidos ali. Foi dita a necessidade de edificar um novo baluarte defensivo as margens do Rio Secton na fronteira, pela movimentação de Exércitos Morenos na região. Foi anotada a indignação da Câmara em relação à Lei da Demanda, e que não seria praticada de forma alguma pelos já fragilizados fazendeiros de Kerbara. Relacionada também a opinião sobre os impostos iguais aos produtos do Império, já que os seus eram taxados abusivamente, e que tal dinheiro arrecado fosse usado para construir a Marinha Mercante da Colônia. Dessas e de outras estâncias que se fez a carta a qual o próprio Florêncio entregaria ao Vice-rei.
Doravante as assinaturas já estavam cumpridas, Oxford e mais três coronéis partiram juntos, dotados de escolta, donde fariam outra reunião, mais secreta e mui mais belicosa.
O tríduo de coronéis eram homens mais jovens e que serviram ao oficial comandante pelas lutas da vida, seus amigos confidentes de ideais, muitos não condiziam com os ares vassalos da câmara de que faziam parte.
Sentaram a mesa duma taberna famosa na cidade, de lugares reservados donde os políticos confabulavam suas artimanhas e estratagemas. O dono era amigo de Oxford, fora seu Sargento-ajudante na campanha de Efera em 1823. No lugar que assentaram os militares ficavam a parte de tudo e protegidos por grossas paredes. A peculiaridade daquela sala era o compasso pintado à parede. Símbolo duma Ordem Honorifica secreta, cujos membros eram quase todos senhores de muitos réis. Proibida pelo Imperador por adorar outros Deuses, a Ordem tomara a característica de reunir-se às escuras, e o próprio Imperador era seu Grão-mestre, mas não daquela loja. O senhor da Ordem dos Compassos de Kerbara era Oxford.
-Meus amigos. O dia de hoje é grandioso para nossa causa. Vejo no horizonte a hora da guerra de libertação de Almovadar. De nos libertamos do jugo de além-mar. O que podemos fazer para isso acontecer? –Malcon era separatista, assim como os coronéis que se ajuntavam na mesa e todos os membros da loja.
-Os imperiais querem o castelo não é meu amigo? –Coronel Erivan, comandante do 21° Regimento de Cavalaria provinciana e senhor do charque. Homem de bravura e estratégia comparáveis a seu mestre. Compartilhava a idade de Oxford, mas não seu porte atlético e mui menos a cabeça fria dos negócios, era viciado em jogos e páreas de cavalo. Mas era valoroso. –Vamos dar-lhe o castelo então. Mas da forma que achamos melhor, com nossos homens acampados na retaguarda dele, para o atacarmos assim que mudar de mãos.
-Concordo com Erivan, reunimos nossas tropas em sua estância, que fica á poucas léguas do lugarejo, a desculpa será que entregaremos nossos regimentos. Assim que o forte estiver cheio de casacas-azuis (soldados do Imperador) o bombardeamos e tomamos de assalto, rendendo-os. –O coronel Elton era mais jovem dez anos de seus companheiros, filho de homem rico, transpusera a tradição comerciante de sua família e com a herança abrira uma Estância de carnes suínas e bovinas para o mercado interno da colônia. Comandava o 12° de cavalaria, tropa da família, passada ao seu comando, formado em ciências militares pela Imperial Escola, era o melhor comandante de campo sobre a tutela de Oxford.
-Não traríamos para nós a fama de separatistas senhores? Os outros regimentos poderão até se contrapor a nós. –Vanillion era velho lobo da arte da guerra e impaciente de natureza, medroso também. Contudo, seguia Oxford como um Deus.
-Todos nós sabemos a resposta do Imperador senhores. Nem ligará para nossa carta. Vamos atacá-los. Ou melhor, ajuntemos as tropas e acampemos perto do forte. Isso os fará pensar. –Oxford.
Assim decidiram a atitude. Fariam a junção das forças em dez dias, na estância de Erivan.
-Se em nosso horizonte houver espadas e balas, quem decidirá isso é o Imperador...

1.5.11

Sobre babaquice aguda

Eu nasci e cresci sobre pensamentos de tudo aquilo que li e admirei. Honestidade, lealdade, dedicação às pessoas a nossa volta. Toda essa sorte de coisas me fez o homem que sou; o homem frustrado que sou.
Convivo com um vazio emocional intenso desde épocas remotas. Vivi e lutei pequenas revoluções, fui rebelde, fui soldado do vento, descontando todo meu ódio em causas perdidas. Afinal de contas, para esse homem aqui senhores, o mundo esta perdido demais para se consertar.
Eu vivo intensamente as minhas paixões, minha carência me faz ter uma dedicação as pessoas que amo, aos meus fieis amigos, que são pouquíssimos. Eu ouvi coisas que os senhores nem podem entender, de gente que era para estar ao meu afago. Nunca fui um homem de sorte, nunca ganhei nada de mão beijada. As coisas boas que recebi, era jovem demais para entender e pago preços terríveis por isso até hoje.
Senhores, sou um homem comum com uma cruz imensa. Juro, por tantas vezes me comporto e disfarço bem, numa falsa felicidade. Mas eu amo a batalha. Venci uma boa briga hoje. Segunda recomeço minha vida profissional. Mas como é triste a sensação de estar sozinho.
Hoje eu vi postados sob uma mesa duas coisas de valioso que dei para quem amava, e só eu e Deus sabemos o que passei para aquilo estar ali. Mas estava ali assim jogado. Eu me senti jogado ali.
Por três quartos das vezes eu falo com calma, pacientemente, tentando fazer-me entender. Mas quantas vezes pedi para dar-se o mínimo de valor aquilo e nada. O ser humano moderno é centrista demais para entender os devaneios alheios. Estou revoltado com isso. Indignado com minha prepotência em achar que o amor pode trilhar laços de lealdade, amizade e valorização de outro. Senhores, o quanto eu sou babaca não caberia neste blog....